Adeus cãozinho
Maio de 1992
Vermelho. O barro que suja os meus pés.
Passeio com o avô Zé pelo mato perto da casa dele. Apanhamos caracóis, encontramos insectos e sou alertado para os perigos das alcachofras e urtigas. Tenho comichão nas pernas mas gosto do cheiro dos pinheiros mansos. Vejo o mar. O Snoopy guia-me pelos trilhos toscos. Sou arrastado mas sinto-me seguro.
Junho de 2005
Morte. A que carrego aos ombros.
- O senhor Zé, que andava sempre com um cãozinho branco faleceu! - oiço na paragem. O senhor Zé foi aquele que anos antes me ensinara para que serviam os diversos tipos de barquinhos e que me explicara onde se escondiam os caracóis. O Snoopy esteve calado durante dias. Uma espécie de luto canino, presumo.
Agosto de 2008
Cavo. O vermelho do mesmo barro - onde me passeara em 92 - para enterrar o cão.
Já sem avô Zé e sem Snoopy, o mesmo mato adquire outras formas. O mar já não é visível devido às torres de betão e os trilhos dissiparam-se. As urtigas continuam lá, as alcachofras não. Desta vez sou eu que arrasto o cão, para o pó. O cheiro a morte é superior ao dos pinheiros mansos.